Se você morador de Rondon ainda não sabe, nesta manhã, por
volta das 11hs, próximo à ladeira do S, um caminhão transportando refrigerantes
tombou e pegou fogo. O motorista morreu carbonizado, a carga foi saqueada por
dezenas de pessoas, o corpo do motorista ficou semi-exposto dentro da cabine e
nossos companheiros homo sapiens se revezaram fotografando e filmando com seus celulares, matando
a sua sede de curiosidade mórbida.
Tudo isto que está escrito neste parágrafo anterior
aconteceu de fato, é verdade, não é invenção minha.
Além disso, ouvi uma pessoa comentando que alguém teve a
nobreza de pegar uma varinha, se esgueirar pelas ferragens e cutucar o homem que morreu queimado para poder
ver melhor.
Assustado, perguntei para a pessoa que me falou do acontecido com a vara: - mas por que? Ele, também indignado: - isso é peão vagabundo que não tem o
que fazer, num respeita nem um homem morto.
Nunca tive a vontade de fotografar pessoas mortas e
certamente não fiz isso hoje, mas tenho a curiosidade de observar pessoas que
tem curiosidade de observar pessoas mortas, principalmente a atração deles por morte trágica. Me impressiona do que nossa espécie é afim.
Não me interessa o sensacionalismo, nem me interessa o
sensacionalismo sobre o sensacionalismo que nem sei se pode ter o mesmo nome. Acho
que pode em alguns casos, neste caso por exemplo. Nem sei também se isto que estou escrevendo é sensacionalismo, deve ser, afinal a palavra parece estar relacionada ao tema mais do que ao conteúdo de um texto, ou talvez seja o contrário.
A curva onde aconteceu o acidente não tem sinalização
indicando que é uma curva acentuada, mesmo sendo um lugar de constantes
acidentes. Esta curva é uma daquelas curvas que quando se está viajando você
percebe várias freadas, marcas de pneus, arranhões no asfalto, esta curva é
assim.
A estrada está boa, está ótima. Recém capeada, tem
sinalização horizontal - aquelas faixas
amarelas pintadas - mas não tem as placas que indicam que esta não é uma curva
qualquer, é uma curva que exige uma redução mais intensa da velocidade. Foi esta
curva que matou este homem que ainda não sabemos o nome.
O que leva a crer que quem o matou foi a curva foi o
relato do Márcio, eletricista que dirigia no sentido contrário ao do caminhão e
que por pouco, segundo ele, não foi atingido pelo veículo desgovernado que
invadiu a contramão, saiu da pista e capotou.
Márcio relata que imediatamente após a capotagem a buzina do
caminhão começou a soar. Márcio, seu irmão e o outro ocupante do veículo encostaram
o carro num lugar seguro, ainda com imensa nuvem de poeira que o caminhão
levantou ao capotar, se aproximaram para oferecer socorro quando
viram o fogo tomando conta, então não puderam fazer mais nada. Aquele assobio da buzina,
aquele silvo, aquele sibilo nunca vai sair da memória de márcio, segundo ele,
nunca.
O saque começou quando o fogo acalmou e não havia mais nada que pudesse ser feito pelo homem. Um carro pipa - segundo dizem, voluntariamente cedido pelo sr. Moacir - acabou com as chamas, a polícia deu tiros
para o alto, usou spray de pimenta, mas a sede de refrigerantes era maior. A sede
de ver gente morta era maior. Então a multidão fez-se vencedora e as sacolas,
motocicletas, bagageiros, carrocerias... tudo se enchia de cocas, fantas, uvas.
E os cartões de memória se enchiam de bytes com as mais tristes imagens que os
amantes do “gore” se deleitam.
Nesta manhã, aquela curva na ladeira do S fez o papel da “pedra
do CESP” e satisfez, mesmo que por pouco tempo, a sede da barbárie.
E eu estou aqui, ajudando a matar a sede daqueles que não puderam comparecer... mas é o direito sagrado à informação.
E eu estou aqui, ajudando a matar a sede daqueles que não puderam comparecer... mas é o direito sagrado à informação.