quinta-feira, 14 de julho de 2011

Memória, arquitetura e igrejismo

Às vezes me sinto proprietário de coisas que não me pertencem. Acho que isto tem relação com as memórias. Tenho coisas em minha memória que não são minhas: imagens, momentos, fatos. Desde criança vejo coisas que vão se acumulando em algum lugar aqui no meu cérebro, então, as coisas que vejo, por mais que não sejam minhas, fazem parte de meu mundo interior.

Desde meus anos moços, me acostumei com as imagens ao meu redor, as casas, as lojas, as igrejas, os letreiros, as árvores, coisas que estão em constante mudança, mas que estão aqui, comigo.

Outro dia minha tia Adma me liga dizendo que vão derrubar a torre da primeira igreja batista de Rondon. Isto não deveria me afetar de maneira nenhuma, afinal, não pertenço àquele mundo, mas afetou. Minha tia me ligou porque eu havia comentado com ela, dias atrás, que o objeto mais atrativo fotograficamente e mais representativo arquitetônicamente falando, em Rondon, em minha opinião, é a torre da igreja batista. Ela se destaca na paisagem. Pode ser vista desde o alto da Rua Raimundo cruz, de vários pontos da cidade e, também (e talvez por isto eu esteja escrevendo este texto), posso vê-la da varanda da minha casa. Sempre que acordo, com o sol ainda baixo, vou até a varanda e lá está ela, meio espremida entras umas mangueiras e uns telhados, a torre. Nesta época do ano o sol nasce quase detrás dela, o que transforma o momento em algo muito belo e marcante. Eventualmente fotografo.

Quando me levanto pela manhã, vou até a varanda da minha casa e olho na direção do nascer do sol e lá está ela, a torre. Alguns pés de manga do lado esquerdo e umas construções do lado direito. Talvez, em breve, não poderei mais vê-la, pois a cidade vai crescer e provavelmente irá surgir alguma construção entre a varanda e a torre. Não vou gostar disto, pois gosto da torre, sua estrutura simples, sóbria, sem barroquismos, apontando para cima, rígida, estática, como um referencial. No meu mundo, ela esteve sempre ali. Não me lembro da cidade sem a presença dela.

Algo me faz crer que em breve, esta torre existirá apenas em memória e em velhas fotografias, pois, boatos correm por ai (e o início das obras fortalecem os boatos), que irão por abaixo a torre. Inicialmente, a notícia era de que a torre está comprometida em sua estrutura, motivo mais que suficiente para uma restauração, restauração, restauração, restauração. Outros dizem que a torre será derrubada por causa da sua “cara” de torre de igreja católica. Se eu entendi bem este segundo argumento, não deve ser muito confortável para um membro da igreja batista tal confusão. Sé é justo derrubar uma torre que faz parte da memória de um povo por conta deste segundo argumento, não sei, digam aí vocês que entendem do assunto, mas que me dá uma sensação esquisita no peito, dá.

Isto me faz lembrar de outros momentos da breve história desta cidade que ainda é um bebê:

Tomei um susto certa vez em que cheguei em Rondon, final da década de 90, de férias (eu estava estudando em Belém), e vi o templo central da igreja assembléia de deus. Não se parecia mais com uma igreja, parecia mais um escritório de uma empresa. Ela tinha, anteriormente, uma arquitetura típica de igreja, com pequenas torres, curvas na fachada, era uma igreja. Hoje é um quadradão de concreto com nome de igreja na frente. Talvez eu esteja falando uma imensa e vergonhosa besteira, talvez a arquitetura de uma igreja não interfira na sua real função. Digam aí vocês que entendem, mas que me dá um aperto esquisito no peito esse tipo de coisa, dá.

Quando eu era moleque (criança), indo pra escola Dioniso Bentes, pela manhã, senti falta de uma coisa, era uma coisa que ficava em frente ao muro da escola, onde hoje é o DETRAN, se não me engano. Essa coisa era uma árvore, imensa, linda, velha, viva. A árvore tinha sido derrubada. O motivo: a dona da casa estava cansada de varrer as folhas que caiam. Dava muito trabalho... bem, se é justo derrubar uma árvore por este motivo? Digam aí vocês que entendem do assunto, mas que ao lembrar disto, me dá vontade de chorar, dá.

Por mais que exista direito de propriedade, e que cada pessoa, ou grupo de pessoas sejam responsáveis por seu pedaço de mundo, tudo que acontece no ambiente, tanto urbano quanto natural, interfere na vida de todos os outros. Se isso é assim mesmo e ninguém deve se meter nos assuntos dos outros, não sei, digam ai vocês que conseguem fazer isso, eu não consigo.

Enquanto isso, a primeira casa de Rondon, aquela que fica do lado do antigo D.E.R., hoje secretaria de obras, está caindo aos pedaços. Se ela deve mesmo cair porque isto não vai mudar a vida de ninguém, digam aí vocês que entendem destes assuntos de arquiteturas e patrimônios históricos, mas que me dá um medo horrível de ver minhas memórias sendo destruídas, dá.